Precisamos nos livrar do “lixo mental” que nos habita!

“Quando não podemos mais mudar uma situação, somos desafiados a mudar nós mesmos.”
Viktor Frankl

Temos vivido num mundo em que o tempo tem sido cada vez mais escasso. É comum utilizarmos a “desculpa verdadeira” de que não temos tempo para aquelas questões que julgamos menos importantes. E é de impressionar que o menos importante, para muitas pessoas, têm sido elas mesmas. Muitos de nós temos vivido no “automático”, desatentos às nossas atitudes e ao impacto das mesmas no nosso dia a dia. Por conta disso, entramos em alguns círculos viciosos e não nos damos conta de que só depende de nós, da nossa mudança de atitude para nos desenvolvermos em relação a essas situações.

A palavra desenvolver, tal como está grafada, parte da perspectiva que, por vezes, ficamos presos a alguns paradigmas, representados por crenças que nos são limitantes. O sábio e queridíssimo amigo Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria, costuma dizer que carregamos muito “lixo mental”. Isso tem a ver com tudo o que não nos auxilia em nada, pelo contrário, esse lixo se transforma em barreiras ao nosso desenvolvimento, obstrui nossos talentos. Por conta disso, apresentaremos quatro armadilhas que podem nos aprisionar e dificultar o desenvolvimento das nossas competências comportamentais no contexto organizacional, e por que não dizer, pessoal também?

Armadilha 1:
É preciso diagnosticar o repertório, atuar nas crenças e não somente no comportamento.

Gostamos de enfatizar que tudo começa por nós mesmos. Não é produtivo querermos enxergar o outro antes de olharmos nosso interior. Não se trata de um simples exercício, pois olhar para si mesmo é um ato de coragem.

Uma vez ouvimos de uma participante de um treinamento a seguinte frase: “Eu passei a minha vida inteira exigindo da minha mãe aquilo que ela não tinha para me dar.” Ela quis dizer, naquela situação, que havia passado a vida ressentida com a mãe porque tinha a expectativa de que a mesma lhe desse mais carinho, fosse mais afetuosa. Na ocasião, ela deu-se conta de duas coisas que a fizeram mudar a maneira de enxergar e de se relacionar com a mãe:

“Eu não posso exigir que a minha mãe me dê afeto, pois ela nunca teve afeto dos seus pais e das pessoas que a cercaram na tenra infância e ao longo de sua vida.”

“A minha mãe viveu a sua vida toda acreditando que as coisas, para serem valorizadas, tem que ser conseguidas com dificuldade, que a vida é dura para todo mundo. Isso gerou a crença que demonstrar afetividade era o mesmo que demonstrar fraqueza, desnudando as suas fragilidades.”

O mais produtivo foi que a nossa treinanda entendeu que ficar ressentida com a mãe não era um sentimento produtivo e que a única maneira de mudar essa situação, era a partir da mudança de suas próprias atitudes. E chegou a uma conclusão – se fosse mais afetuosa com a mãe, ela poderia aprender e experimentar uma sensação que pudesse lhe dar repertório para agir de maneira diferente com os filhos.

A canadense e empreendedora social, Mary Gordon, apresentada no documentário “Quem se Importa”, de Mara Mourão, realiza um trabalho nas escolas de seu país com o intuito de diminuir o bullying por meio da empatia, e enfatiza que o melhor motor para o aprendizado é a maneira como nos sentimos.

Sendo assim, é bem possível que a história relatada acima tenha tido êxito, pois a nossa treinanda compreendeu que a mãe não tinha repertório para agir de maneira diferente, procurou não julgar o seu comportamento e proporcionar a ela um sentimento que a fizesse atribuir novo significado às suas crenças.

Armadilha 2:
Cuidado com o efeito da supergeneralização!

O efeito da supergeneralização tem a ver com a maneira como percebemos a nós mesmos ou, como percebemos as pessoas. Por conta de algum fato marcante que tenhamos vivenciado, tal experiência nos traz um tipo de sentimento.
Exemplo: se conseguimos concretizar um projeto altamente desafiador, podemos ficar com o sentimento de que somos capazes, inteligentes. Assim, levamos esse sentimento e a crença por ele gerada – sou capaz e inteligente – para outros projetos e, por que não, para outras situações desafiadoras ao longo da vida.

O contrário também acontece: o fracasso em uma situação e o sentimento por ele gerado pode nos levar à crença de que somos incapazes, fracassados. A questão é – não somos fracassados, mas fracassamos naquele projeto. Porque se pensarmos que somos fracassados, estaremos super generalizando a situação e “contaminando” todas as outras que vierem. Corremos o risco de esse sentimento nos paralisar e não termos ações produtivas que nos levem ao sucesso na próxima vez que participarmos de um projeto desafiador.

Agimos desta mesma maneira com as pessoas que nos cercam e é comum observamos esse tipo de situação nas empresas. Alguns gestores, ao receberem um novo colaborador, se depararam com algumas ações desse novo liderado que não atendem as suas expectativas. Muitos deles, ao invés de realinhar aquilo que esperam, julgam que o novo funcionário é incompetente para essa ou aquela ação. A partir de então, o funcionário passa a ser visto como incompetente. Dão feedback negativo e se inicia um círculo vicioso. O próprio funcionário passa a ter um sentimento autodepreciativo, sua autoestima baixa e aumenta a tendência de um novo comportamento inadequado.

É provável que você já tenha ouvido falar de “profecias autorrealizadoras”. Nunca vamos nos esquecer de um almoço com treinandos em que um deles dizia a quem estava ao lado que o fato de, por dez anos, a esposa afirmar categoricamente que ele a traía, o levou a fazer isso. Ele disse que nunca havia pensado nessa possibilidade, mas que de tanto a ouvir, começou a pensar e acabou por agir em conformidade com aquele pensamento incessante dela.

Precisamos tomar cuidado com aquilo que comunicamos para nós mesmos e para os outros, pois uma comunicação inadequada pode se transformar na armadilha da profecia autorrealizadora – uma grande armadilha!

Armadilha 3:
Varinha de condão? Somente em conto de fadas!

Temos a expectativa irreal de que mudamos os nossos comportamentos em um passe de mágica ou mesmo que as pessoas mudam do dia para a noite. Mudança de comportamento tem a ver com um processo de desenvolvimento. Isto é, precisamos nos desenvolver de velhos hábitos que talvez não sejam mais produtivos e ter um tempo para sustentar a mudança. Sustentamos a mudança a partir do entendimento de que a nova maneira de agir traz mais benefícios do que os antigos hábitos comportamentais. Isso exige persistência e paciência.

É muito comum quando empreendemos esforços para mudar algum tipo de comportamento que as nossas atitudes não sejam as mais naturais, pois estamos em franco “esforço” naquele primeiro momento. Nessa fase, as pessoas nos olharão com desconfiança e a tendência a retornarmos para a zona de conforto é grande. Também agimos assim com as pessoas que nos cercam quando as mesmas empreendem esforços no desenvolvimento de velhos hábitos. O mais interessante é que a maioria das pessoas passa um longo período agindo de acordo com o seu propósito de mudança, um deslize e pronto, já é motivo para que as outras pessoas reforcem: “Não disse que essa mudança não se sustentaria, ele(a) é assim mesmo, eu não estava mesmo acreditando que esse comportamento se sustentaria.”

Precisamos tomar muito cuidado para não retornarmos aos antigos comportamentos, porque esta será mais uma armadilha para não sustentarmos o nosso processo de desenvolvimento. Por isso, devemos ter sempre em mente que varinha de condão, somente em contos de fadas!

Armadilha 4:
Nada mais que a obrigação? O poder da validação para sustentar a mudança!

Vocês já ouviram falar na matemática 98/2? É mais ou menos assim: fazemos 98% de coisas adequadas, empenhamo-nos para realizar as coisas de maneira correta, pois geralmente temos um alto senso de dever. Porém a nossa natureza humana leva-nos a realizar 2% de coisas inadequadas, ou porque as expectativas não foram bem alinhadas ou porque o nosso entendimento foi errôneo.

Mas, na maioria das vezes, pelo que somos lembrados? Pelos 98% dos acertos ou, pelos 2% de inadequação? Infelizmente, a tendência é sermos lembrados pelos 2%.

Não temos a tendência em validar as pessoas. Somos condicionados socialmente a enxergar aquilo que é negativo e, com isso, entramos mais uma vez em um círculo vicioso. Ao sermos, na maioria das vezes, lembrados pelos 2%, temos um sentimento igual ao daquele funcionário julgado incompetente – autodepreciação, baixa autoestima e alta tendência a um comportamento inadequado. Corremos o risco de acreditar que: “por mais que eu me empenhe, serei lembrado pelos 2%, então posso relaxar e passar a fazer 90%, 80%. O ganho é que meu desgaste será menor.”

Stephen Kanitz, em seu artigo “O Poder da Validação”, diz nos primeiros parágrafos que todos nós somos inseguros por natureza e que os super confiantes simplesmente disfarçam melhor.

Validar é uma atitude que auxilia em processos de mudança. Termos nossos esforços e a eficácia de nossos comportamentos reconhecidos são de suma importância para sustentarmos processos de mudança e não desanimarmos no processo de desenvolvimento. Feliz ou infelizmente, Kanitz cita que esse processo depende do outro e que nós não podemos nos autovalidar.

A boa notícia é que a vida é um espelho que reflete as nossas atitudes. Colhemos resultados daquilo plantamos. Ao validarmos as pessoas, estaremos investindo na possibilidade de colher o resultado daquilo que plantamos e de auxiliarmos essas pessoas a saírem do paradigma do “mais que a obrigação”.

Desenvolva-se!

  1. Entenda quais crenças já não lhe servem mais, utilize o método socrático, questionando-se: “Quais são os prós e os contras em agir desta maneira?”. Compreenda que nem sempre a sua verdade é a verdade dos outros. Procure enxergar sob outras perspectivas, aumentando assim o seu repertório e capacidade crítica.
  2. Lembre-se de que a frase “você está assim” ou, “você agiu assim”, ao invés de “você é assim” faz toda a diferença, e que o olhar que temos para nós mesmos e para os outros pode ser um fator determinante para os nossos comportamentos.
  3. Mudar implica em desenvolver, e o desenvolvimento é um processo de longo prazo que implica em paciência e persistência!
    Procure identificar os seus pontos fortes, aquilo que você faz bem sem tanto gasto de energia. Aja de maneira a potencializar aquilo que você tem de bom.
  4. Por fim, valide as pessoas que lhe cercam e, provavelmente, a consequência dessa ação será muito positiva, um impulsionador importante rumo ao seu desenvolvimento!

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Artigo escrito por:

* Claudia Serrano. Sócia-diretora da Arquitetura RH. Mestre em Administração (Mackenzie). Especialista Master em Gestão da Tecnologia Educacional (FAAP). Psicóloga (Faculdade de Psicologia do Instituto Metodista de Ensino Superior). Professora das disciplinas Planejamento, Recrutamento e Seleção por Competências do curso de pós-graduação em Administração de Recursos Humanos e Gestão de Talentos dos cursos de pós-graduação em Gestão Estratégica de Projetos, Administração de Empresas e Administração para Engenheiros e Arquitetos da FAAP. Consultora na área de Desenvolvimento Gerencial, Assessment e projetos customizados para desenvolvimento de pessoas e organizações. Coautora do livro “A Arte de Selecionar Talentos”. São Paulo: DVS, 2005.

** Izabela Mioto. Sócia-diretora da Arquitetura RH. Mestre em Psicologia (UNESP/Assis). Pós-graduada em Administração de Recursos Humanos (FAAP). Coach (Institute Coaching Integrated – ICI), reconhecido pelo ICF. Professora da disciplina Gestão de Talentos dos cursos de pós-graduação em Administração de Empresas e em Gestão de Projetos da FAAP. Titular da cadeira da disciplina Educação, Treinamento e Desenvolvimento do curso de pós-graduação em Administração de Recursos Humanos da FAAP. Professora do MBA em Finanças da FIA. Coautora do livro “Ser mais com Coaching e Ser mais com T&D”. Editora Ser Mais, São Paulo, 2010.